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Por uma Teodança: Diálogos entre Teologia, Filosofia e Dança¹

Por Helen Lanhellas²




Fotografia: Acervo pessoal. Apresentação de Dança Moderna pela Escola de Teatro e Dança

da Universidade Federal do Pará - ETDUFPA/UFPA, em 2019.


BASTIDORES: INTRODUÇÃO


Esta produção textual se trata da leitura cultural sobre a Dança Moderna com interação cultural à luz da Fé Cristã. E foi requisito avaliativo na finalização do curso Jardim Elétrico: Interação cultural à luz da fé cristã, do Instituto Educacional Invisible College, em Outubro de 2021. Escolhi analisá-la pelo recorte geral de sua linguagem na Dança, não pela escolha de um dos precursores, por exemplo.


Uma proposta teológica e filosófica introdutória, de leitura cultural a partir dos pressupostos/pilares da cosmovisão cristã: Criação, Queda, Redenção e Consumação. E a partir destes, estabelecer a ponte geradora de possibilidade analítica/investigativa sobre as motivações e filosofia da Dança Moderna, manifestadas em suas movimentações corporais.


CENÁRIO, PALCO: BREVE CONTEXTO HISTÓRICO


Início do século XX, as transformações fervilharam intensamente em movimentos, revoluções, progressos científicos e iminência de guerras foram moldando os corações e visões de mundo das pessoas daquele tempo, gerando atitudes pessimistas diante da vida, causando impacto massivo na criação de cultura, na arte não foi diferente: a visão de um mundo melhor foi deixando de existir, abrindo espaço para uma expressão pessoal que refletia a falta de esperança sobre a vida que estava à sua volta.


Neste cenário turbulento surge, na história da Dança Ocidental, a Dança Moderna ou Modern Dance, a escolha desta leitura cultural deste trabalho. Esta linguagem da dança, objetivou se opor ao Ballet Clássico: sua técnica, figurinos, vocabulários, narrativas e tudo que envolvia esta linguagem da dança. Pois, até então, o Ballet Clássico prevalecia nos palcos e no imaginário das pessoas de uma forma geral.


ELEMENTOS NA CENA: PROPÓSITO

Isadora Duncan, uma das precursoras da Dança Moderna, construiu elementos para caracterizar esta linguagem da Dança, são eles: (1) Os pés descalços em suas coreografias, contrapondo as sapatilhas de ponta do Ballet Clássico, bailarina clássica, ela desabafou: “Estava ‘cansada da rigidez’ com que o Ballet era ensinado”.


Para todo verem: Isadora em figurino de tecido leve e fluido branco translúcido, comprimento mediano - descalça, com a perna direita flexionada em o pé em meia ponta média, como apoio/base no chão e perna esquerda levantada, flexionada à  sua frente, executando o movimento em conjunto com os braços abertos, esticados na lateral do corpo, em linha reta com os ombros, palmas das mãos para cima, com a cabeça inclinada para trás, o nariz apontando para o alto.
Imagem acima: Isadora Duncan

Imagem ao lado: Isadora Duncan


E as mudanças continuaram: (2) Figurinos com tecidos leves, não aparentavam costura, pareciam amarrados ao corpo, transparentes. O que pode lembrar de uma possível visão de mundo a qual se desdobraria, anos mais tarde, com os hippies: onde a nudez exposta sem pudor, seria expressão de liberdade.


Isadora Duncan propôs também, ir contra os espartilhos e tutus, que eram as saias de tule do Ballet Clássico; (3) Sua proposta residia em uma dança livre — de tudo que lembrava o ballet: técnica, figurino — e fluida; (4) Não contavam histórias por meio da Dança Moderna, o propósito era o de se expressar por meio do movimento, com intencionalidade clara de externar o que estava interno, focando na subjetividade.


MOTIVAÇÃO E FILOSOFIA: O CORAÇÃO


A narrativa desta dança não envolve heróis, vilões, príncipes e princesas, fadas, romances como no Ballet Clássico. Os bailarinos queriam dançar suas dores.


A intencionalidade desta dança parece desejar ir além do próprio conceito do humanismo (ser humano como medida de todas as coisas). Almejando ser um libertador de si para cura das suas dores, expressando-se em movimentos de dança. O Drama da alma e do coração humano sendo dançado. O que estava dentro de si, refletindo conflito interno com o que estava externo, um ciclo retroalimentado no próprio cotidiano de uma vida sem esperança e/ou uma esperança baseada nele mesmo.


Isadora Duncan, Ruth Stª Denis e Loie Fuller, precursoras desse movimento na Dança, criaram uma base filosófica, vocabulário de dança, métodos, técnicas corporais para expressar uma cosmovisão por meio da linguagem corporal. Comunicando a oposição ao Ballet Clássico, inclusive negavam as narrativas e contação de histórias que o ballet proporcionou ao público — seria uma “pré-atitude/anúncio” do que viria anos mais tarde? O que chamamos de pós-estruturalismo, onde as narrativas e grandes histórias são negadas, tal pensamento criado por Michel Foucault entre outros, na década de 80 -.

Para todos verem: Lester Horton em cena, perna direita de base e esquerda levemente levantada à sua frente, ambas levemente flexionadas. Os braços estão felxionados, abertos em ângulo de 45º graus na lateral do corpo, e mãos abertas quase uma de frente para a outra, como se estivesse questionando algo, o olhar dele está para baixo, direção ao chão, e sua boca está em aberta em formato da letra "o". Figurino: Camisa de manga comprida e calça com suspensório, e sapatos fechados.
Imagem acima: Lester Horton

A Dança Moderna demonstra pressupostos na filosofia naturalista, existencialista e, seus movimentos técnicos, têm forte influência do hinduísmo. Alguns claramente lembram passos do Yoga, como a técnica corporal de Lester Horton (2.ª geração da dança moderna), e a precursora Ruth Stª. Denis que tinha em seu repertório conhecimento sobre o budismo e danças indianas.


De todos os movimentos de arte produzidos nesse tempo, a Dança Moderna teve forte influência do Expressionismo, movimento da Arte Moderna que se originou na Alemanha, e tinha como foco representar o mundo de maneira subjetiva, com a capacidade de revelar as angústias do sofrimento humano.

Imagem acima: Ruth Stª Denis

Embora se diga que a Dança Moderna americana não recebeu tal influência, é possível observar alguns pontos de contato entre o expressionismo alemão na Dança Moderna de uma forma geral. Este movimento influenciou o cinema alemão também, utilizando ângulos profundos com sombras marcantes, comunicando emoções de: medo, horror. E temas como: insanidade, traição entre outras questões existenciais, que marcaram profundamente as pessoas, consequências causada pela Primeira Guerra Mundial.


CONTRA-TEMPO DO PASSO: CONEXÕES NÃO-PARALELAS


As pessoas estavam sob todas essas questões e a arte também incorporou esse espírito do tempo e criou uma cultura que refletia externamente o interior da alma e do coração da sociedade daquele tempo.


As pinturas, por exemplo, de Paul Cézanne (considerado pós-impressionista e pai do expressionismo) e Van Gogh, traziam em suas obras pinceladas fortes e grotescas, na preocupação de agradar, com cores intensas, eles expressavam emoções por meio de suas produções, particularmente observo mais essa prática nas pinturas de Van Gogh.


PASSOS: EXPRESSÃO DA DANÇA MODERNA


Na Dança Moderna não foi diferente, o foco era a expressão pessoal do artista, a demonstração do subjetivo, o que o artista estava incorporando e vivendo com suas dores internas. Os movimentos tinham a intencionalidade de mostrar a condição humana de dor, angústia, as emoções (a alegria, com pouca frequência), afloradas na sua comunicação corporal e facial como fundamentos desta dança.


A sensação que a Dança Moderna evoca: ora mórbido, com ambientações e música que lembram morte, trazendo consigo o peso, como se a alma estivesse enlutada, com ênfase em uma profunda tristeza nas expressões faciais e corporais, ora intensidade, enfatizando o grito interno da alma e coração humano (que muitos de nós já vivenciamos), nas expressões faciais e corporais.


As emoções despertadas são de dor, sofrimento, tristeza. É possível observar também, alguma vontade libertária de dançar sem se preocupar com o público que assiste. Parece demonstrar egoísmo em expressar seu eu interior sem se importar em comunicar algo para quem o assiste. E além, uma adoração ao próprio movimento que expressa, observando os próprios precursores: Isadora Duncan (1.ª geração da Dança Moderna), Martha Graham (2.ª), Merce Cunningham (3.ª e última geração).


Imagem acima: Martha Graham

Se o artista quer expressar para si o que está interiormente e, não quer se importar como a plateia compreenderá, por que então ter plateia? Não seria egocentrismo?

Estas duas últimas frases sugerem outro diálogo não é mesmo?

Bem, continuando no foco desta leitura cultural:



Imagem acima: Merce Cunningham

Os bailarinos de Merce Cunningham, por exemplo, dançavam no palco utilizando a música como acompanhamento e não como condutor dos movimentos, estes eram desconexos, exatamente o que ele queria comunicar. Cunningham parecia falar sobre o caos como estilo de vida, como morada, não como algo o qual podemos e devemos passar por ele e aprender.


O LUGAR DE DEUS NO MOVIMENTO DRAMÁTICO DA DANÇA MODERNA


Deus não tem lugar na história que a dança moderna comunica, nem história ela conta. O que ela demonstra é o mundo caído com suas desesperanças, dor e sofrimento.


No entanto, é possível perceber os momentos de Graça Comum, os vestígios da Verdade, de um clamor que há na Dança Moderna: as pessoas querem ser valorizadas nas suas individualidades! Serem valorizadas pelo que elas são, não querem ser igual ao outro, sendo conduzidos em comparação e perfeccionismo. Elas perceberam que são humanas, com suas dores que não podiam ser externadas antes porque a sociedade não aprovava, e agora elas podem falar sobre a dor e dançá-la também.


A ideia de expressar-se como elas são, demonstrando suas fraquezas, sua humanidade, tem ao mesmo tempo, algo bom — os vestígios de Verdade — e os vestígios da Queda: foi se desenvolvendo uma idolatria nesse desejo de querer se expressar o tempo todo desta forma, uma adoração à própria condição humana de dor e sofrimento.


A exigência para se encaixar na técnica e ser perfeito ultrapassaram, em alguns casos, os limites humanos, causando em determinados bailarinos clássicos uma rejeição aos padrões que o Ballet exigia. Pois, até aquele tempo, alguns mestres do Ballet Clássico não respeitavam a individualidade dos bailarinos.


Ao passar dos anos, os métodos de ensino do Ballet Clássico se transformaram, promovendo a individualidade dos bailarinos como um valor a ser considerado. Artistas são seres humanos que também pensam, criam, são diferentes uns dos outros, mesmo fazendo passos semelhantes em dança. Inclusive as emoções e a saúde mental dos bailarinos começaram a ser campos de pesquisas, proporcionando um respiro maior e, vivências mais prazerosas para quem ama a arte de dançar.


O MOVIMENTO, A DOR HUMANA: A CONTRA-PROPOSTA


E, concluindo esta leitura cultural: sou bailarina clássica desde os cinco anos de idade, atualmente tenho mais de trinta anos e, desde meados de 2015, iniciei minha prática em Dança Moderna. Hoje, estou como bailarina e professora desta linguagem da dança, no Projeto da Universidade e, ainda aprendendo a ler à luz da Palavra do SENHOR essa arte que tanto amo.


O que quero expressar aqui é um alerta em amor! Quero convidar você, artista da dança, a entregar sua dor em dança Àquele que nos cura de toda dor!


Ao contrário de dançar sua dor somente para si mesmo, dance sua dor para Ele - O Deus Criador, dance sua dor par Ele. Entregue em dança sua dor e Ele te curará, e você poderá abençoar a vida de outros ao seu redor por meio da sua arte, da sua dança. Não é o movimento em si que tem cura, mas porque o ato de expressa-se por meio dele, é um ato de confissão e declara o princípio eterno de cura!


No início do ano de 2021, Deus estava me proporcionando perceber os reflexos da Queda, caracterizado pela idolatria que existe nessa linguagem da dança, me entristeceu muito. Deus em Seu infinito Amor, abriu meus olhos e coração para compreender a Dança Moderna. Discernindo os ídolos e percebendo Sua Graça comum: os vestígios da Verdade na Sua criação, o que Ele revelou ao ser humano e este produziu sem dar a Deus, a Glória que lhe é devida.


Imagem acima: Helen Lanhellas - bailarina-intérprete no Projeto de Dança Moderna da UFPA. Fotografia: Acervo Pessoal. Em 2019, no Theatro da Paz, em Belém-Pará-Brasil. Minha memória particular da composição coreográfica que produzimos no Projeto e apresentamos com o mesmo Título da música que dançamos: Carcará,

E, confesso, que nesta leitura cultural, Deus está começando a mostrar-me qual é a Graça Comum nesta dança, pois até então eu não tinha conseguido enxergar. O que Ele tem me revelado é: Dançar nossas dores entregando-as a Deus, que conhece nosso coração e o que há nele.


Somos verdadeiramente livres quando conhecemos a Verdade (João 8:32). Dançar nossas dores é compreender que o outro também pode carregá-la, e isto nos conecta e comunica que toda dor é passageira. Existe uma Viva Esperança em Quem podemos depositar todo nosso ser: em Jesus Cristo.


Com todo nosso entendimento, força e mente, precisamos entregar a dança aos pés de Jesus Cristo. A dança não é uma entidade, ela é criação do próprio Deus para nós, pois a dança entre a Trindade já existia: a Pericorese. Posso falar mais sobre esse assunto depois.


E não estou escrevendo aqui sobre dança gospel, e sim, sobre dança que aponte para o Criador, entregando a Ele nossa dor, angústias, lembrando que não estamos sozinhos e não podemos comunicar a arte ou o que for de maneira egoísta. Dançando não é diferente, nem deve ser.


Quando dançamos curados das dores passadas, também é uma forma de revelar que há Esperança sobre toda a dor humana, e a esperança é Cristo Jesus. E por meio desta linguagem da dança - a dança moderna - contribuir com a Verdade que liberta para vivermos e propagarmos o Reino que virá.




¹ Leitura cultural produzida como requisito avaliativo final do Curso Jardim Elétrico: Interação Cultural à Luz da Fé Cristã, ministrado pelo professor Bruno Maroni, no Instituto Educacional Invisible College, em outubro de 2021.


² Licenciada e Pós graduada em História. Atualmente, graduanda em Licenciatura Plena em Dança na UFPA. Bailarina no Projeto de Extensão em Dança Moderna pela mesma Universidade, onde foi ministrante de Oficinas oferecidas pelo Projeto, em formato online, no tempo da Pandemia do COVID-19.




Referências:


Dos escritos:

KUPPERS, Petra. Dance Moderna. Encyclopedia.com. Publicado em 17 de maio de 2018. Disponível em:


MARONI, Bruno. Jardim Elétrico: interação cultural à luz da fé cristã. Curso do Instituto Educacional Invisible College, setembro e outubro de 2021.


MONTEIRO, Maria Auxiliadora; PINTO, Ricardo Figueiredo; MACARA, Ana. A corporeidade e a técnica de dança moderna de Lester Horton. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 17, nº 172. Setembro de 2012.


TIMELINE, Home. Early 20th century theme: 11 isms and ljl, an international, a Deco & a Dada. Arte history timeline. Tradução Livre: Linha do tempo de casa. Tema do início do século vinte: os onze ismos e ljl, internacional, um deco & a Dada. Disponível em: <https://dereksarthistorytimeline.weebly.com/early-20th-century.html>. Acesso em: 29 out. 2021


Dos vídeos:

GOLD1, Sylvia. Isadora Duncan Dancers. Canal do YouTube Sylviagold1. Publicado em: Duração: 1 min e 51 seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kq2GgIMM060&t=48s>. Acesso em: Abril de 2021.


JACLYN, Miss. Horton Technique Warm-up. Canal do YouTube Miss Jaclyn. Publicado em: 20 de novembro de 2020. Duração: 30 min e 05 seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4GwB_coDiIU>. Acesso em: Maio de 2021.


TRUST, Merce Cunningham. Biped (1999) in Moscow, June 2011 (1 of 3). Canal do YouTube Merce Cunningham Trust. Publicado em: 10 de agosto de 2015. Duração: 2 min e 35 seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ec-xnsm0pm0>. Acesso em: agosto de 2021.


VALÉRIO, Luis. Martha Graham Dance Vídeos. Canal do YouTube Luis Valério. Duração: 8 min e 06 seg. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=b_63g5TICeY>. Acesso em: Abril de 2021.


Das Imagens:


CASTRO, Daniele. Merce Cunningham: centenário do mestre da dança foi comemorado em 3 cidades do mundo. Publicado em: 17 de abril de 2019. Disponível em: <http://artecult.com/centenario-de-merce-cunningham/>. Acesso em: 31 out. 2021.


iMDb. Isadora Duncan. People (pessoas). Disponível em: <https://m.imdb.com/name/nm0241984/mediaviewer/rm3617621249/>. Acesso em: 31 out. 2021.


MODERNA, Dança. A musa moderna Martha Graham: um pouco de sua história. Publicado em: 24 de junho de 2014. Disponível em: http://dancamoderna.com.br/2014/musa-moderna-martha-graham-um-pouco-da-sua-historia/. Acesso em: 31 out. 2021.


NET, Wikidança. Ruth Saint Denis. Disponível em: http://www.wikidanca.net/wiki/index.php/Ruth_Saint_Denis. Acesso em: 31 out. 2021.


PIONEERS, Modern dance. Lester Horton. Tradução Livre: Pioneiros da dança moderna. Disponível em: <https://moderndancepioneers.weebly.com/lester-horton.html>. Acesso em: 31 out. 2021.



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