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Cosmovisão cristã e Teologia do corpo: a dança como linguagem do coração

Por Helen Lanhellas


O corpo importa muito mais do que normalmente imaginamos.

- John Kleinig -

Imagem 1: Fotografia - arquivo pessoal - Dezembro de 2023. Defesa do meu Trabalho de Conclusão de Curso/TCC, na Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Dança na

Faculdade de Artes do Paraná - FAP/UNESPAR.


No campo universitário, o cristão se depara com inúmeras cosmovisões existentes sobre o corpo humano. Essas cosmovisões foram moldadas por ritmos litúrgicos que se transformaram em hábitos, consolidando compromissos no coração daqueles que ali defendem tais visões de mundo.


No entanto, nenhuma delas abrange, ou toca no tema, a respeito de uma cosmovisão cristã do corpo. Nas artes, por exemplo, o estudo do corpo é como o centro de onde partem outros temas, perpassando a ideia vigente ali sobre o corpo. Diante disso, perguntamos: Nós, como Igreja de Cristo, temos uma cosmovisão cristã sobre o corpo?


Se temos, por que pouco é dialogado sobre ela? Por que nos deixamos enredar, como o apóstolo Paulo escreveu em sua carta para os Colossenses 2: 8, por “vãs filosofias” sobre o corpo, quando temos uma em que podemos aprender e compartilhar dela com a Igreja e no mundo acadêmico? Quais são os ritmos e hábitos que têm moldado a Igreja do Senhor Jesus Cristo?


Em quais narrativas, nós, cristãos, estamos envolvidos? Pois os compromissos fundamentais do coração humano são moldados por ritmos litúrgicos e hábitos que reverberam em nosso corpo. São muitas as perguntas, e não pretendemos responder a todas elas nesse artigo, e, sim, trazê-las à tona, na intenção de promover reflexão sobre o tema e inspirar os irmãos em Cristo a dialogar sobre o mesmo.


Diante disso, esse artigo busca, de forma introdutória, desenvolver um diálogo sobre o estudo do corpo humano com base na cosmovisão cristã, podendo ser chamado de Teologia do Corpo.


Esse tema ainda é pouco dialogado na igreja e, por conseguinte, no campo universitário. Precisamos de cristãos comprometidos com Cristo Jesus, pois observamos a importância de se conhecer o tema, uma vez que se trata daquilo que está conosco, nos acompanhando diariamente: o nosso corpo. Assim, qual é o valor desse corpo, criado à imagem e semelhança de Deus?


Acreditamos que esse campo de estudo possa promover pontes de diálogo entre a igreja e as artes, por exemplo, e entre cristãos e o mundo acadêmico das artes. Nesse artigo, especificamente, o recorte é a dança.


Contudo, não é sobre dança na igreja, mas, sim, sobre a dança que pode ser vivenciada por todo cristão, na compreensão de que as artes, e também a dança, são expressões de louvor a Deus. Na dança, essa expressão é, primordialmente, por meio do corpo.


É sobre dançar em casa enquanto faz uma comida e limpa a casa, ou dançar enquanto se louva a Deus no culto; é celebrar uma promoção no trabalho e dançar com os seus, o que abrange um tema maior, no qual não entraremos nesse artigo, que é sobre ser cristão sem deixar de ser brasileiro. É, também, ponderar como mover o corpo de maneira que seja um manifesto de louvor a Deus no nosso dia a dia.


Ademais, nossa cultura é permeada pela dança. Na verdade, se prestarmos atenção, cada cultura no mundo tem suas danças, o que nos faz refletir sobre a importância da dança na vida humana. Isso nos faz compreender a profundidade da relação do corpo com tudo o que fazemos de maneira física, tornando visível o invisível.


O potencial dessa prática de vida envolve a compreensão da cosmovisão cristã no corpo, em que os compromissos do coração estão corporificados no cristão. Tais compromissos reverberam naturalmente, a partir do nosso relacionamento com Deus e do conhecimento de Sua Palavra, para termos, parafraseando o que James Smith (2017) disse: “[...] ritmos e hábitos que moldam nossa cosmovisão e logo moldam nossas vidas”; e complemento: refletindo no nosso corpo os compromissos fundamentais com Cristo Jesus em nosso coração.


Uma das passagens bíblicas que contribui numa ilustração de nossa compreensão sobre o corpo está nas cartas de Paulo aos Romanos, capítulo doze, versículos um e dois:


Portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, peço que ofereçam o seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês. E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente, para que possam experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. (Romanos 12:1-2. Versão Almeida Revista e Atualizada, grifo nosso)


Portanto, para que experimentemos qual a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, precisamos de uma transformação de dentro para fora, ou seja, uma mente renovada pelo SENHOR, com corações regenerados por Ele num processo de santificação, dia após dia, até que Ele venha. Aquele que começou a boa obra em nós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus (Filipenses 1:6).



Teologia do corpo como cosmovisão cristã corporificada

Imagem 2: Fotografia - arquivo pessoal - Dezembro de 2023. Defesa do meu Trabalho de Conclusão de Curso/TCC, na Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Dança na

Faculdade de Artes do Paraná - FAP/UNESPAR.


Se somos moldados por ritmos litúrgicos que se transformam em hábitos que reverberam os compromissos do nosso coração, logo, se nossos corações e mentes são renovados e regenerados diariamente, teremos olhos bons para observar nosso corpo e perceber o valor, a beleza e o significado de Deus ter nos criado Esse é o início de uma teologia do corpo.


A este respeito, John W. Kleinig (2021) nos mostra, no primeiro capítulo de sua obra Wonderfully made (Maravilhosamente criado), uma gota da bela visão sobre o corpo criado à imagem e semelhança de Deus:


O corpo importa muito mais do que normalmente imaginamos. Isso importa porque nos localiza no tempo e no espaço aqui na Terra. Isso importa porque vivemos nele e com ele. Isso importa porque através dele interagimos com o mundo que nos rodeia, as pessoas que coexistem conosco, e o Deus vivo que nos mantém fisicamente vivos nele. Importa apesar de ser tão frágil e tão facilmente danificado. Importa mesmo que nos revoltemos contra o nosso Criador e abusemos dos nossos semelhantes na Terra. Importa mesmo que seja finito e condenado a morrer. Mais do que tudo, importa para nós, porque importa muito mais para Deus. Ele é o supremo filantropo, o que ama a humanidade (Tito 3:4) (KLEINIG, 2021, p. 13, tradução livre) *


Assim, nossa percepção de mundo é afetada pela visão de mundo que carregamos. Essa busca por compreender o corpo a partir de uma cosmovisão cristã que dialoga com a teologia do corpo tem contribuído para a introdução desse tema nos estudos do corpo nas artes, uma ponte importante para cristãos produzirem arte a partir de uma visão cristã de mundo.


Nesse sentido, James Smith (2019) promoveu uma importante reflexão sobre a importância da corporeidade, a “dinâmica da formação de hábitos” e a “formação litúrgica”. Sobre o corpo, a pessoa, o individuo, deve refletir em todo seu viver a Palavra de Deus, com uma cosmovisão cristã corporificada, expressando a linguagem do coração, seja nos seus atos cotidianos, sejam na arte que ele produz, neste caso, da dança que se produz para comunicar as maravilhas de Deus.


Essa construção do nosso caráter é, em grande medida, o efeito de histórias que nos cativaram, que penetraram em nossos ossos — histórias que “retratam” o que pensamos sobre o que é a vida, o que constitui a “boa vida”. Vivemos nas histórias que absorvemos; tornamo-nos personagens no enredo que nos cativou. Portanto, grande parte de nossas ações consiste em representar uma espécie de roteiro que, de forma inconsciente, tomou conta de nossa imaginação (SMITH, 2019, p. 52).


As palavras “história”, “enredo”, “representar”, “roteiro” e “imaginação” nos remete à obra O Drama da Doutrina, de Kevin Vanhoozer, quando este nos convida, como Igreja, a valorizar e viver a doutrina, a Palavra de Deus, de maneira que nossas ações possam ser como “performar” nesse mundo o Evangelho de Cristo Jesus para todos ao nosso redor. Vanhoozer utiliza a linguagem da arte, chamada Dramaturgia, e, de maneira metafórica, sua obra nos inspira como Igreja de Cristo Jesus a viver refletindo a história, o enredo e o roteiro que a Palavra de Deus apresenta para a vida inteira diante de Deus (Coram Deo).


Trata-se, assim, de uma reflexão de que somos gentilmente convidados a fazer: Qual narrativa está fazendo parte de nossa imaginação? A Bíblia, a Palavra de Deus, tem enchido nossas imaginações com seus enredos e histórias, ou tem sido as narrativas vigentes desse tempo e suas vãs filosofias? Portanto, nossa cosmovisão cristã precisa reverberar para fora de nós o que o Senhor Jesus está trabalhando em nós, isso é dar frutos. Se estamos na Videira verdadeira, daremos fruto (João 15). Vanhoozer nos diz:


Traçar um caminho através da vida cotidiana é uma tarefa teológica. Dizer que a teologia é prosaica é chamar a atenção para a necessidade de concretizar a fé da perspectiva do cotidiano. O que é necessário (...): a habilidade de transformar o ouro do evangelho nas coisas rotineiras do dia a dia. (...) As forma bíblicas de linguagem e de literatura corriqueiras preservam certas formas de perceber, experimentar e pensar que, embora exemplificadas em formas culturais do passado, podem servir como normas para que os cristãos dizem e fazem no presente. O que temos na Bíblia é sabedoria prosaica: raciocínio prático encarnado em práticas comunicadoras corriqueiras. O desafio da teologia prosaica é mover-se da prosa das Escrituras para a prosa da cultura contemporânea (VANHOOZER, 2016, p. 325, grifo nosso).



Assim, esse desafio que o autor diz tem a ver com a virada linguística de nosso tempo. Portanto, a teologia do corpo se faz importante como uma teologia que conversa e possibilita apontamentos sobre questões na área da arte, no mundo acadêmico, especificamente, para criações e produções na área da dança.


Considerações finais


Por tudo isso, concluímos que uma cosmovisão cristã contribui para a teologia do corpo e para o desenvolvimento de diálogos entre a igreja e o campo das artes, e entre cristãos artistas e a igreja. Assim como é ponte para que artistas cristãos promovam diálogos no mundo acadêmico, neste especificamente, a área de estudos do corpo em dança, pois há poucos estudos que envolvam Teologia e Dança, embora os que existam sejam de grande importância e valor.


Além disso, é também uma forma de comunicar o Evangelho nesse campo missionário que é a disciplina das artes demonstrando que a fé cristã também pode produzir conhecimento científico. Acreditamos que, antes de falar sobre dança, podemos falar sobre o corpo; por isso, a importância da Teologia do corpo tanto como ponte para a Igreja quanto como ponte para o mundo acadêmico.





Referências bibliográficas

KLEINIG, John W. Wonderfully made: A Protestant Theology of the Body. Lexham Press. Bellingham, WA, 2021.


SMITH, James K. A. Imaginando o Reino: A dinâmica do culto. Tradução de A.G.Mendes. Liturgias Culturais. Volume 2. Editora Vida Nova, São Paulo, 2019.


SMITH, James K. A. O poder formativo da repetição. (1:48). Publicado em 15 de dezembro 2017. Edições Vida Nova. Disponível . Acesso em: 03 mar 2023.


VANHOOZER, Kevin. O Drama da Doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução de Daniel de Oliveira. Edição. Editora Vida Nova, São Paulo, 2016.



*Citação direta no artigo - Versão original em inglês: “The body matters much more than we usually imagine it does. It matters because it locates us in time and space here on earth. It matters because we live in it and with it. It matters because through it we interact with the world around us, the people who coexist with us, and the living God who keeps us physically alive in it. It matters even though it is so fragile and so easily damage. It matters even though we rebel against or Creator and abuse our fellow creatures on earth. It matters even though it is finite and doomed to die. Most of all, it matters to us because it matters so much to God. He is the supreme philanthropist, the lover of humanity (Titus 3:4)”.

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