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O escultor, a escultura e o filósofo: ensaiando diálogos¹

Por Helen Lanhellas²


“Da realidade que vai além de todas as situações” C.S.Lewis


É possível entrelaçar escultura e filosofia? Como se constitui o diálogo entre ambas áreas? Bem, este ensaio filosófico busca compor o que chamarei de “dança entre obra de arte e filosofia”. Para isso, duas escolhas se farão presentes nesta análise entre obra de arte e filosofia. A escultura “Invitation/Decalogue”, do artista romeno Liviu Mocan (1955), e o filósofo holandês Herman Dooyeweerd (1894 - 1977).


O ano foi 2017, uma amiga querida que morou algum tempo na Romênia, quando voltou para o Brasil, compartilhou sobre a escultura e o artista citados. E foi assim, que a artista/pesquisadora que escreve este ensaio, conheceu a escultura “Invitation/Decalogue” obra de arte citada e o artista que a produziu.



Imagem da escultura "Invitations/Decalogue", Romênia, junho de 2009.


Liviu Mocan, nasceu na Romênia, em 1955, é escultor e poeta, e entrelaça formas contemporâneas na criação de suas esculturas para comunicar mensagens da Bíblia. Em 2009, sua obra “Invitation/Decalogue”, foi inaugurada no Museu de Arte da Romênia.


Diante disso, a escolha da escultura para este ensaio, é resultado de uma reflexão pautada na percepção de que há uma escassez de uma análise artística-filosófica de um artista, cristão, contemporâneo. Logo, a partir de uma curiosidade epistemológica surge a proposta este ensaio dialógico entrelaçando escultor, escultura e filosofia.


Para esse diálogo, foi escolhido o filósofo holandês Herman Dooyeweerd (1894 - 1977), que construiu uma antropologia filosófica com base no pensamento cristão que estabelece o coração como núcleo de sentido, vontade e volição do ser humano.


Dessa forma, se entrelaçou numa reflexão na qual podemos observar como o artista, ao produzir sua arte revela sua visão de mundo, seus compromissos do coração. Sendo assim, é interessante encontrarmos ressonância no pensamento do filósofo que encontra o artista e a produção artística e dançam juntos. Pois, se trata do coração, das crenças que movem o ser humano. No pensamento do filósofo Herman Dooyeweerd, todo coração é um dispositivo religioso, logo, não há neutralidade na produção de algo, seja no mundo acadêmico, seja na obra artística.


Para tanto, se faz importante, nesse ponto conhecermos a fisicalidade/materialidade da escultura “Invitation/Decalogue”, e a explicação da mesma:


"The monument consists of 10 golden pillars, around 5 meters high, resembling human fingers. set in a circle, the pillars have two sides: a smooth, contoured side facing towards the center, creating a sense of peace and well being as one stands in the circle. the other side, facing outwards, forms a sharp, unyielding blade"[1] (MOCAN, 2018).

[1] Tradução nossa: “O monumento consiste em dez pilares dourados, com aproxidamente cinco metros de altura cada pilar, semelhantes a dedos humanos colocados em círculo. Os pilares tem dois lados: o lado de dentro é suave, voltado para o centro, criando uma percepção de paz e bem-estar enquanto se está no círculo. O outro lado, voltado para fora, tem a forma afiada, lâmina inabalável”.


A escultura é interativa, ou seja, convida as pessoas a andarem ao redor dela, do lado de fora e do lado de dentro dos pilares. As pessoas entram no círculo, tocam no dourado da escultura. Do lado de dentro dos pilares há pequenos bancos na base dos “dedos”, na parte de dentro da escultura, quem entra senta, conversam uns com os outros, e refletem sobre o “trabalho de arte produzido na escultura e as ideias que a inspiraram”.


A escultura propõe algumas reflexões: (1) Um estudo sobre a natureza e o propósito da lei na sociedade: “criar espaço de liberdade e florescimento humano, proporcionando ao mesmo tempo proteção e segurança”; (2) Outra reflexão que a obra convida a dialogar é sobre a “questão da busca humana universal pela paz e bem-estar espiritual” (MOCAN, 2018).

Liviu Mocan compartilha em sua escultura sobre os dez mandamentos, que encontram-se na Bíblia, no Antigo Testamento, nos livros de Êxodo capítulo três, versos três até o dezessete, e no livro de Deuteronômio capítulo cinco, dos versos sete ao vinte e um.


O artista e sua obra

(Nessa imagem, a fotografia de Liviu Mocan, o artista)


Podemos observar que a obra de arte é como o resultado visível do processo invisível do artista que reflete sua visão de mundo, relacionada “com as crenças religiosas mais básicas, abrangentes e fundamentais”. (GOHEEN, 2016)


Bem, se partimos do pressuposto de que a obra de arte expressa o coração do artista, ou seja, comunica suas intencionalidades, suas ideias, moldadas por sua visão de mundo, então podemos dizer que é maravilhosamente possível entrelaçar essas áreas tão significativas na vida humana, a arte e a filosofia. Enquanto a arte produz artisticamente sobre o que crê, a filosofia traduz em ideias as crenças mais básicas do indivíduo.


Este ensaio se desenvolve como o convite do convite, ou seja, o convite de quem escreve este ensaio sobre o convite da obra do artista que está intitulada também com a mesma palavra.


Para tecermos um olhar e coração disponível para esse artista e sua obra, o qual propõe conhecer a mensagem dos dez mandamentos, em forma de escultura, trazendo consigo reflexões e propondo diálogos.



Imagem de parte da escultura "Invitation/Decalogue" vista de dentro. Genebra, Suíça, julho de 2009.


Diante disso, para ir na contramão da correria de nossos dias atuais, a escultura de Liviu Mocan é um convite a isso, não somente receber a informação e ir embora, ou “deslizar o dedo no feed” como fazemos no instagram, e sim é interessante perceber que ainda existem obras de arte que nos convidam a desacelerar para contemplar, refletir, dialogar sobre o que o artista está comunicando, e sobre as ideias que inspiraram a obra.


Em reflexão sobre a fisicalidade da escultura de Liviu Mocan e, os apontamentos que ele produz, foi possível observar reverberação no escritor C. S. Lewis, em sua obra “A abolição do homem”. Ambos, Liviu Mocan (artista) e C.S. Lewis (escritor), teceram apontamentos sobre a importância das bases que constituem o florescimento humano e as leis que sustentam a humanidade.


O escritor compõe um entrelaçamento de leis basilares da vida humana, tendo a imagem do “Tao” (como ele escreveu), como auxílio nessa reflexão. Ele escreveu sobre as possibilidades de olharmos essas bases de leis de dentro e de fora do “Tao”, semelhante a percepção que Liviu Mocan, por meio de sua escultura, nos propõe e convida. “Da realidade que vai além de todas as situações. Trata-se do Caminho pelo qual o universo caminha, do qual emergem as coisas de forma eterna” (LEWIS, 2017, p.23).


Em sua escultura, Liviu Mocan construiu formas internas e externas diferentes, como explicado no início deste ensaio, onde as pessoas podem observá-la do lado de dentro e do lado de fora do círculo, constituído em forma de dedos humanos, dando a ideia de duas mãos unidas pelo pulso e abertas com as palmas destas apontando para cima. Nas referências deste ensaio, está incluído o vídeo do artista explicando sua obra para o público presente.


Diante disso, se partirmos do pressuposto bíblico: Criação, Queda e Redenção, o ser humano, criado por Deus, tem em seu coração crenças bases comuns: a vontade de ser protegido, de ter segurança para si e para os seus, honestidade, paz, liberdade. Desejos estes que refletem o coração, a busca humana universal que Liviu Mocan comunica por meio de sua escultura.


Logo, ele está comunicando sobre a mensagem dos dez mandamentos para a vida humana: (1) “criar espaço de liberdade e florescimento humano, proporcionando ao mesmo tempo proteção e segurança”; (2) “ a questão da busca humana universal pela paz e bem-estar espiritual”.



O filósofo e a arte

(Nessa imagem, a fotografia é Herman Dooyeweerd, o filósofo)


Assim sendo, a escultura de Liviu Mocan se entrelaça ao filósofo Herman Dooyeweerd que construiu uma antropologia filosófica com base no pensamento cristão que estabelece o coração como núcleo de sentido, vontade e volição do ser humano. Como já explicado anteriormente, ou seja, o coração, o filósofo escreveu sobre o coração ser um dispositivo religioso, onde encontram-se as crenças mais básicas que movem o ser humano, seus compromissos do coração e, estes moldam a visão de mundo do indivíduo. Logo, as ideias partem de algo chamado “pré-teórico”.


O filósofo Herman Dooyeweerd comunica que a visão bíblica sobre o ser humano, é que este é religioso, suas crenças fundamentais estão alicerçadas em seu coração. Assim sendo, o pensamento do filósofo nos convida a refletir sobre o coração como esse núcleo que reverbera exteriormente o que está interiormente no indivíduo.


Diante disso, podemos conectar que o ser humano reflete em suas ações aquilo que está em seu coração. Por isso, na visão deste ensaio, observa-se essa dança entrelaçada entre Liviu Mocan (o artista), “Invitation/Decalogue” (sua produção artística) e Herman Dooyeweerd (filósofo).


Considerações finais

Liviu Mocan, com sua escultura, demonstrou suas crenças fundamentais, e convida as pessoas a perceberem as ressonâncias dos dez mandamentos no coração humano, como bases fundamentais para a humanidade ter seu florescimento em comunidade.


A profundidade dessa dança é que ela toca o coração, e ao observar, ainda que por imagens a escultura desse artista, sua arte nos convida a olhar para dentro de nós. O convite é para nos sentirmos amados por Deus que cuida de nós por meio dos dez mandamentos.


A escultura “Invitation/Decalogue” se constitui exatamente como seu nome propõe: um convite, ao um olhar generoso sobre os dez mandamentos, escritos na Bíblia Sagrada. Um convite a olhar Deus com seu amor pela humanidade, e como suas leis são para nos guardar e proteger, não para nos prender.


É possível que à primeira vista, os dez mandamentos possam causar alguma estranheza, como os pilares, da escultura de Liviu Mocan, o são do lado de fora, como algo afiado, ruim. Por isso, o convite do convite, o deste ensaio e o produzido pelo artista em sua escultura.


O convite para olhar de novo os dez mandamentos. Seja por meio da escultura de Liviu Mocan, ainda que por meio das imagens em seu site ou lermos os dez mandamentos, e “entrarmos” nesse círculo da escultura de Liviu Mocan. E sermos envolvidos pelas mãos do próprio Deus, mãos gigantes ali representadas pelos pilares de cinco metros de altura, pela maciez que os dedos representam na escultura, palavra essa usada por quem descreveu o lado de dentro da escultura.


O convite a perceber a leveza e o cuidado o qual Deus criou a humanidade, e com seu amor nos segura e sustenta com Suas Mãos. Não fomos feitos para que um destruísse o outro, e sim para um ajudar o outro, ser suporte, apoio, e nesse relacionamento sermos seres humanos que florescem em comunidade.


A escultura “Invitation/Decalogue” de Liviu Mocan propõe conexões, construir pontes com algo intrinsecamente conectado à humanidade de todos nós. Nossos anseios, crenças mais básicas se constituem em nossa sede de compreender as coisas criadas, sede de sermos cuidados, sede de algo maior do que nós mesmos, sede pelo o que é eterno.



¹Ensaio Filosófico apresentado, no mês de novembro de 2022, como requisito avaliativo da disciplina Estética, na Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Dança, da Faculdade de Artes do Paraná, na Universidade Estadual do Paraná.

²Acadêmica do 6º semestre, da Graduação em Bacharelado e Licenciatura em Dança, da Faculdade de Artes do Paraná, na Universidade Estadual do Paraná.


Referências bibliográficas


DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental: Estudo sobre a

pretensa autonomia do pensamento filosófico. Editora Monergismo, 2017.


GOHEEN, Michael W. Introdução à cosmovisão cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea. Michael W. Goheen e Craig. G. Bartholomew. Tradução de Marcio Loureiro Redondo. São Paulo, Editora Vida Nova, 2016.


LEWIS. C.S. Abolição do Homem. Tradução: Gabriele Greggersen. 1. ed. Rio de Janeiro. Thomas Nelson Brasil, 2017.


MOCAN, Liviu. Invitation/Decalogue. Sculptor. Site do artista/escultor. Disponível em: <https://www.liviumocan.ro/invitation-decalogue.html>. Acesso em: 15 nov 2022.


MOCAN, Liviu. Decalogue. Canal YouTube Bogdan Adrian Stãnes. Publicado em 31 de Agosto de 2009. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=biscV8lGQTw>. Acesso em: 15 nov 2022.


MOCAN, Liviu. More about invitation / decalogue. Disponível em: <https://www.liviumocan.ro/pdf/invitation-decalogue.pdf>. Acesso em 15 nov 2022.

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